
Eu sou Danielle Rocha, mãe do menino Gil, filha de nordestinos, de um povo farinhar do Estado da Bahia e Pernambuco. Há treze anos me aventurei a migrar para o território paulistano.
Criada no Nordeste e no Planalto Central, escolhi rotas profissionais que até então eram inimagináveis pela minha família. Para meus pais, essa história de ser atriz era passageira, porque menina de periferia não poderia sonhar desse jeito.
Ao falar para o meu pai: “Velho, serei atriz, artista!”, ele falou: “Sonhar é bom! Mas pense que você tem que terminar o colegial. Já é o suficiente!” Para a minha velha eu disse: “Mãe, me matricula no curso de teatro da propaganda da televisão?” A mãe disse: “Filha, isso não é para a gente. É lá do povo rico”.
Explano minhas memórias de menina para dizer sobre a artista que me tornei. Quando menina, eu não tinha noção do peso social e econômico do que eles ali me falavam. Eu só pensava: “Eles são contra os meus sonhos!”, mas na verdade, não! Eles exibiam a realidade como moradores da periferia.
Ser artista na minha família era algo inalcançável, porque meus pais já sabiam que a arte era respirada por uma elite. Uma elite que muitas vezes se apropriava do que era produzido em guetos.
Frequentei cursos de teatro com bolsas e descontos, em Brasília, porque na terra do Planalto Central, no início dos anos 2000, e antes das políticas públicas sociais, tudo ainda era muito elitizado.
"Minhas memórias me levam a pensar o quanto estamos evoluindo socialmente mediante políticas públicas que possibilitaram o acesso de corpos periféricos em espaços negados."

As quebradas brasileiras tiveram enorme evolução com a saída de gestões políticas de direita no ano de 2003. Em 2004, passei no vestibular da federal de Brasília para Artes Cênicas, através de um programa social criado pelo ex-governador Cristovam Buarque - um professor que tentava mudar as rotas excludentes de um processo seletivo de uma faculdade pública.
Foi uma das minhas maiores conquistas! Lembro dos meus pais chorando ao ver meu nome no jornal! E ali foi um início de ancoramento, resistência e muita batalha para estudar o que eu amava fazer!
Em 2011, migrei para São Paulo e passei por muitas travessias artísticas. Em 2014, contribui com a fundação de um grupo de estudos de dança e teatro, que há dez anos passou a se chamar Coletivo Corpo Aberto. Neste coletivo, me faço intérprete, sonhadora, produtora cultural e gestora de muitas ideias. Um grupo que aos poucos foi se firmando no território leste, criando raízes por aqui.
Nossas raízes foram desenhando caminhos ao criar espetáculos, ao criar projetos que proporcionavam articular ideias com outros fazedores culturais do território e a se profissionalizar a cada conquista de um edital público ou privado.
O coletivo tem uma cronologia de uma década dentro do território Leste e todo o Estado paulistano. São inúmeras apresentações em escolas, aldeamentos indígenas, centros culturais, Sesi e Sesc, e para nós, as políticas públicas culturais municipais e estaduais foram essenciais para o nosso crescimento.
A cada aprovação em programas como o VAI (Valorização de Iniciativas Culturais periféricas), de fomento à dança e circuitos municipais, o nosso coletivo, formado majoritariamente por moradoras de regiões periféricas, evoluiu em seu fazer e lançamento de seus trabalhos.
As políticas públicas culturais e a democratização nos editais de esferas privadas são um marco para o artista periférico. Proporcionar o acesso é direito!
Que não haja retrocessos e que mais fazedores de arte e cultura periférica sejam vistos e valorizados no mercado cultural.
Hoje, a migrante paulistana que sou conquista seus espaços, abrindo caminhos ao lado de mulheres potentes do Coletivo Corpo Aberto.
Que venham mais dez anos!
Entrevista com Danielle Rocha para a TV Câmera sobre o Programa de Fomento a Dança.
