
Sou mulher, mãe, bailarina, arte-educadora e contadora de história.
Eu danço para existir, resistir, me conectar comigo mesma, me encontrar e me salvar.
Sempre tive mulheres muito fortes ao meu redor: minha mãe, uma heroína; minhas avós, fortalezas; e tantas outras mestras que estiveram por perto, me apresentando e mostrando caminhos e saberes.
Nos últimos dez anos, fazendo parte do Coletivo Corpo Aberto, idealizamos alguns projetos sobre e com as mulheres. Um deles é o projeto “Gerações de Mulheres”. Realizamos em duas edições: uma presencial com o apoio do VAI em 2017, na qual ocupamos casas de cultura da Zona Leste, e outra online com o apoio da Lei Emergencial Aldir Blanc em 2020, durante a pandemia. Gerações de Mulheres surgiu da busca por uma arte do encontro, da troca, da escuta atenta das muitas mulheres que resistem num país moldado pela violência contra o feminino. Ouvir as que vieram antes. Saudar as que acabaram de chegar e ocuparam o espaço antes negado. Possibilitar que a voz, a música, a dança e a poesia ecoem e partilhem saberes. Que a experiência de empatia poética modifique um tempo embrutecido. Convidamos mulheres imigrantes, mulheres negras, mulheres indígenas, mães, mulheres trans, mestras, entre outras, para ocuparem os espaços e se expressarem. Foi um encontro de muita potência e que ecoou em mim com muita força.
A resistência dessas mulheres está ligada a lutas sociais, políticas, econômicas e culturais, marcadas pela desigualdade e marginalização histórica.
Negras, indígenas, quilombolas, trabalhadoras, mães solo, LGBTQIA+, entre tantas outras, enfrentam múltiplas camadas de opressão — mas também constroem formas poderosas de resistência, coletividade e transformação.
A arte é uma dessas ferramentas. Funk, rap, grafite, teatro, dança… cada expressão é denúncia e afirmação de identidade. Para mim, uma forma que me identifico é a dança. A expressão corporal transcende as barreiras da palavra e permite que memórias, dores e alegrias sejam manifestadas de forma visceral.
Em um mundo que silencia vozes femininas, dançar é liberdade. Cada movimento é uma afirmação de existência, um grito contra a opressão e a invisibilidade. A dança não apenas nos permite existir, mas florescer.
Na minha vida, sempre dancei. Desde criança, estudei balé clássico. Passei por provas, avaliações, participei no corpo de baile “Quebra-Nozes”. Reproduzia movimentos em busca da perfeição, decorava sequências, acertava passos… era como um robô: limitada, contida, monitorada.
Foi por volta dos 20 anos que realmente entendi o que era dançar. Descobrir a dança como expressão artística me abriu para o autoconhecimento e a liberdade. Meus movimentos passaram a me curar e me fortalecer. Quanto mais explorava a improvisação do movimento expressivo, mais acessava sentimentos que me levavam para outros caminhos de movimento, outras possibilidades — infinitas, porque o corpo guarda memórias que despertam novos gestos.
Hoje danço representando a luta de muitas mulheres, me reconhecendo em outras, protestando, homenageando, contando histórias e resistindo. Um corpo sensível e político, que busca a potência máxima para dar voz, vida e existência.

Em 2022, pelo Circuito Histórico em Dança PROC LAB 2021, o Coletivo Corpo Aberto produziu a videoarte Terras da Leste, que eu dirigi junto com Zarella Neto. A obra nasceu da parceria entre nós do Coletivo Corpo Aberto e as mulheres do GAU (Grupo de Agricultoras Urbanas). O roteiro é guiado por corpos-mulheres que dançam no barro, verbalizam suas lutas, semeiam, plantam e colhem frutos da terra que brota na Leste. A construção de uma casa de taipa é feita por esses corpos, que se unem num reconhecimento biológico e existencial. Danças e memórias se entrelaçam em bambus, se sedimentam no barro e nas marcas de quem conta outras histórias de criar, plantar e existir.
"Hoje danço representando a luta de muitas mulheres, me reconhecendo em outras, protestando, homenageando, contando histórias e resistindo. Um corpo sensível e político, que busca a potência máxima para dar voz, vida e existência."
Seguindo o desejo de aprofundar a pesquisa sobre as agricultoras urbanas, em 2025, através do 36º Fomento à Dança da Secretaria de Cultura do estado de São Paulo, o Coletivo Corpo Aberto produziu o espetáculo Teimar até que Brote, dirigido por Veronica Avellar. A peça celebra a resistência de fazer a vida vingar em “terra desenganada”, fincando raízes de esperança em meio à disputa por espaço na periferia. Inspirada na organização das agricultoras urbanas da Zona Leste, a obra mergulha no processo poético e desafiador de criar uma horta comunitária onde diziam que nada brotaria. Corpos de mulheres dançam a teimosia, insistindo no sonho coletivo que transforma o terreno condenado em colheita. E assim, seguimos contando histórias de mulheres e homenageando-as, porque a luta de uma é a luta de todas. Ser mulher é ser tantas.
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