Terra que resiste
Da roça da infância à Horta da Vovó Jo.
por Joelma Marcelino dos Santos

Meu nome é Joelma Marcelino dos Santos, mulher nordestina, 52 anos, mãe de cinco e avó de três. Nasci em Pimenteira, município de Ilhéus, Bahia, e digo que resisto desde a barriga da minha mãe.
Minha mãe engravidou de mim aos 20 anos, e meu avô a expulsou de casa por não estar casada. Ela passou os nove meses de gestação morando no mato, próxima à casa dos pais, sendo alimentada às escondidas por minha avó. Quando nasci, minha mãe foi para São Paulo, e fiquei aos cuidados de minha avó, que foi quem me criou.
Minha avó era curandeira, parteira, benzedeira e uma grande trabalhadora da terra. Foi com ela que aprendi a cuidar do solo e respeitar seus ciclos. Aos 9 anos, já pegava na enxada, ajudando na plantação de cacau e na casa de farinha. Com 12 anos, quando minha avó faleceu, fui trabalhar em casa de família, na cidade de Itajuípe.

Aos 16 anos, vim para São Paulo morar com meus tios. Dois anos depois, estava grávida do meu primeiro filho — cujo pai faleceu cedo. Meu primeiro emprego foi em uma lanchonete, até conhecer o pai dos meus outros filhos. Ele já trabalhava com calçados e, juntos, montamos uma fábrica que funcionou por 15 anos. Nesse período, aprendi a costurar e a lidar com diversas ferramentas.
Mas a vida não era fácil: eu era 21 anos mais jovem que ele, enfrentei agressões verbais e psicológicas e ele não deixava eu fazer amizades. Mesmo assim, trabalhávamos muito, chegando a ter 16 funcionários. Morávamos na Penha e estávamos prosperando… até que tudo mudou. Por causa de apostas e infidelidades com mulheres, o pai dos meus filhos perdeu tudo: maquinário, casa, fábrica. Para honrar os salários dos funcionários e pagar dívidas, vendemos o que restava. Fomos morar na favela, primeiro no Jardim São Paulo, depois na União de Vila Nova, no bairro do Pantanal.
Com cinco filhos para criar e ele doente, fui catar reciclagem nas ruas. A luta diária era para colocar comida na mesa.
Em 2016, fui convidada para integrar o grupo de Agricultoras Urbanas Periféricas “Mulheres do Gau”, no viveiro da União de Vila Nova, através do programa POT (Operação Trabalho). Recebia R$ 950,00 por mês, mas o valor maior foi o reencontro com minhas raízes. Ao chegar lá, chorei. Ali, entre mudas e hortas, resgatei memórias do quintal da minha avó. Disse a mim mesma: “Daqui eu não saio.”
Quando o programa acabou, continuei com o grupo em eventos e hortas. Trabalhar a terra foi um processo de cura, gratidão e reconexão. Eu sabia que estava no caminho certo.
"As raízes que plantei — no roçado da minha infância ou nas hortas da cidade — se encontram e se fortalecem. E assim sigo: plantando, colhendo e resistindo todos os dias."

Em 2024, deixei o grupo Mulheres do Gau e fundei minha própria horta: a Horta da Vovó Jo. Hoje, tenho três casas: uma no Pantanal, um apartamento em Itaquera e a casa ao lado da nova horta, onde moro. Não me apego a móveis ou bens materiais — minha prioridade é a natureza, a segurança alimentar e a vida nas periferias.
Vejo as mudanças climáticas, a fome e a necessidade urgente de ocupar espaços com práticas sustentáveis. Minha missão é plantar e deixar o terreno preparado para que outros continuem. Não sei de onde vem minha força. Às vezes, sinto um impulso no peito, o coração bater mais forte, e simplesmente faço. É a energia da terra, uma conexão espiritual profunda. Se precisar começar do zero, começo. Quantas vezes for necessário.
Carrego a saúde, a sabedoria e a resistência da minha avó, que lutou até o fim e deixou como herança o amor pela terra. Acredito nas forças sobrenaturais, ouço a terra chorar, gemer e sorrir. As raízes que plantei — no roçado da minha infância ou nas hortas da cidade — se encontram e se fortalecem. E assim sigo: plantando, colhendo e resistindo todos os dias.


