top of page

Terra que resiste

Da roça da infância à Horta da Vovó Jo. 

por Joelma Marcelino dos Santos

Captura de Tela 2025-07-28 às 07.55.49.png

Meu nome é Joelma Marcelino dos Santos, mulher nordestina, 52 anos, mãe de cinco e avó de três. Nasci em Pimenteira, município de Ilhéus, Bahia, e digo que resisto desde a barriga da minha mãe.
Minha mãe engravidou de mim aos 20 anos, e meu avô a expulsou de casa por não estar casada. Ela passou os nove meses de gestação morando no mato, próxima à casa dos pais, sendo alimentada às escondidas por minha avó. Quando nasci, minha mãe foi para São Paulo, e fiquei aos cuidados de minha avó, que foi quem me criou.
Minha avó era curandeira, parteira, benzedeira e uma grande trabalhadora da terra. Foi com ela que aprendi a cuidar do solo e respeitar seus ciclos. Aos 9 anos, já pegava na enxada, ajudando na plantação de cacau e na casa de farinha. Com 12 anos, quando minha avó faleceu, fui trabalhar em casa de família, na cidade de Itajuípe.

PHOTO-2025-08-07-21-42-21.jpg

Aos 16 anos, vim para São Paulo morar com meus tios. Dois anos depois, estava grávida do meu primeiro filho — cujo pai faleceu cedo. Meu primeiro emprego foi em uma lanchonete, até conhecer o pai dos meus outros filhos. Ele já trabalhava com calçados e, juntos, montamos uma fábrica que funcionou por 15 anos. Nesse período, aprendi a costurar e a lidar com diversas ferramentas.
Mas a vida não era fácil: eu era 21 anos mais jovem que ele, enfrentei agressões verbais e psicológicas e ele não deixava eu fazer amizades. Mesmo assim, trabalhávamos muito, chegando a ter 16 funcionários. Morávamos na Penha e estávamos prosperando… até que tudo mudou. Por causa de apostas e infidelidades com mulheres, o pai dos meus filhos perdeu tudo: maquinário, casa, fábrica. Para honrar os salários dos funcionários e pagar dívidas, vendemos o que restava. Fomos morar na favela, primeiro no Jardim São Paulo, depois na União de Vila Nova, no bairro do Pantanal.
Com cinco filhos para criar e ele doente, fui catar reciclagem nas ruas. A luta diária era para colocar comida na mesa.
Em 2016, fui convidada para integrar o grupo de Agricultoras Urbanas Periféricas “Mulheres do Gau”, no viveiro da União de Vila Nova, através do programa POT (Operação Trabalho). Recebia R$ 950,00 por mês, mas o valor maior foi o reencontro com minhas raízes. Ao chegar lá, chorei. Ali, entre mudas e hortas, resgatei memórias do quintal da minha avó. Disse a mim mesma: “Daqui eu não saio.”
Quando o programa acabou, continuei com o grupo em eventos e hortas. Trabalhar a terra foi um processo de cura, gratidão e reconexão. Eu sabia que estava no caminho certo.

"As raízes que plantei — no roçado da minha infância ou nas hortas da cidade — se encontram e se fortalecem. E assim sigo: plantando, colhendo e resistindo todos os dias."

Captura de Tela 2025-07-28 às 07.53.08.png

Em 2024, deixei o grupo Mulheres do Gau e fundei minha própria horta: a Horta da Vovó Jo. Hoje, tenho três casas: uma no Pantanal, um apartamento em Itaquera e a casa ao lado da nova horta, onde moro. Não me apego a móveis ou bens materiais — minha prioridade é a natureza, a segurança alimentar e a vida nas periferias.
Vejo as mudanças climáticas, a fome e a necessidade urgente de ocupar espaços com práticas sustentáveis. Minha missão é plantar e deixar o terreno preparado para que outros continuem. Não sei de onde vem minha força. Às vezes, sinto um impulso no peito, o coração bater mais forte, e simplesmente faço. É a energia da terra, uma conexão espiritual profunda. Se precisar começar do zero, começo. Quantas vezes for necessário.
Carrego a saúde, a sabedoria e a resistência da minha avó, que lutou até o fim e deixou como herança o amor pela terra. Acredito nas forças sobrenaturais, ouço a terra chorar, gemer e sorrir. As raízes que plantei — no roçado da minha infância ou nas hortas da cidade — se encontram e se fortalecem. E assim sigo: plantando, colhendo e resistindo todos os dias.

© 2025 por Coletivo Corpo Aberto. Todos os direitos reservados

  • linkicongrey
  • Youtube
  • Instagram
bottom of page