Políticas culturais
e grupos periféricos
construindo mudanças efetivas e afetivas
por Aurora Oliveira

No município de São Paulo, vimos acompanhando um ir e vir de avanços e retrocessos no cenário das Políticas Públicas Culturais, que se dá a partir da ocupação das cadeiras na Prefeitura e na Câmara Municipal.
Nesse sentido, a participação popular, através da pressão que exerce, tem se mostrado crucial para a consolidação de investimentos, ampliação do alcance e a garantia de diversidade dessas políticas. Ainda assim, no dia a dia da produção cultural e da economia criativa da cidade, vivenciamos os abismos de forma concreta, especificamente nas periferias.
Este cenário desigual é um espelho do que ocorre em todo o Brasil, onde percebemos que a concentração de recursos se dá para quem precisa menos, especialmente, mas não exclusivamente, no conjunto das políticas culturais.
Um dos parâmetros que podemos utilizar é a Lei Rouanet que, historicamente, tem seus recursos direcionados majoritariamente, para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, em detrimento de estados com PIB menor.
Percebam que se trata apenas de um recorte. Se nos aprofundarmos nessa análise, a discrepância só aumenta, principalmente se apontarmos para a questão do acesso que é mínimo para os mais vulneráveis.
"é que os produtos culturais que ganham vida no cotidiano dos bairros periféricos favorecem a crítica social, tanto para aqueles que o executam, quanto para aqueles que o consomem."

A utilização de editais de fomento como ferramenta para reduzir desigualdades e impulsionar a economia criativa local é um ponto central na diminuição e/ou, até mesmo, na erradicação desses abismos, que, em conjunto com outros mecanismos, poderiam ser utilizados nessa tentativa, obviamente.
Além da ampliação do orçamento, garantir a equidade na distribuição dos recursos tem se mostrado um desafio constante e urgente, visto que sua efetivação tem, dentre outras, a função de garantir a compensação histórica para grupos sociais minorizados.
Artistas, produtores, grupos e os diversos arranjos culturais das periferias, de todos os segmentos artísticos, surgem e se qualificam a partir da autonomia que experimentam com o acesso a recursos financeiros, mas não somente, propiciados pelas políticas públicas culturais.
Assim, a atuação dessas coletividades reverbera para toda a comunidade ao seu redor, porque ela advém de um reconhecimento validado pelas suas necessidades e propriedades específicas, compensando inúmeras ausências. Não que sua função se resuma a isso, mas o que se percebe, na prática, é que os produtos culturais que ganham vida no cotidiano dos bairros periféricos favorecem a crítica social, tanto para aqueles que o executam, quanto para aqueles que o consome.
Dessa maneira, artista e público se encontram e se qualificam para pautarem reivindicações de melhoria para o seu lugar, para os seus e para o que a eles pertence.
Este fazer, que é específico e genuíno dessas localidades, acresce para o conjunto de sabedorias culturais e para o reconhecimento da nossa dignidade enquanto povo e um povo diverso.
Outro aspecto importante é o subsídio e o estímulo aos novos e antigos fazeres artísticos por aqueles que de fato protagonizam essas culturas. Aqui me refiro não apenas ao reconhecimento das iniciativas tradicionais e ancestrais, mas também aos novos arranjos culturais que florescem a partir das necessidades e pela criatividade, características desses lugares.
Ocorre que, muitas vezes, em condições adversas (para não dizer precárias), as coletividades artísticas e culturais das periferias exercem sua função social, sendo cotidianamente alvo de ataques.
A luta e a resistência acabam, portanto, sendo combustível para o fortalecimento das suas identidades e da insistência na sua existência, por meio da ocupação, da permanência, da insistência e, muitas vezes, da desobediência para continuarem existindo. É dever do Estado apoiá-las ampla e objetivamente.

